terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

CRIANÇA INJUSTIÇADA
















Walkiria Assunção
Segundo G. P. da Silva, um dos aspectos também curioso da psicologia infantil é aquele que se refere à criança injustiçada. Muitas vezes tratamos injustamente nossos filhos.
Há casos de preferência visível dos pais pelos filhos, mas essa preferência não chega a tomar, comumente, uma fei~ção injusta, se é, em essência, natural, instintiva, como, por exemplo, o pai pela filha, ou o filho pela mãe. Ai as próprias crianças compreendem talvez inconscientemente a natureza da preferência paterna ou materna e, em regra, não se incomodam. Não se sentem, digamos assim injustiçadas mas, apenas, ciumentas, o que vem a ser coisa bem diferente.
A criança injustiçada é aquela que sente a diferença no trato em relação às outras crianças. Ja então a questão dos sexos não é o objeto de cogitação. Oque realmente está em jogo, agora, são as atenções dispensadas a um determinada criança enquanto que a outra, da mesma categoria, se vê preterida a um segundo plano.
Uma criança é filha de pais humildes, de pais paupérrimos, mesmo, e de condições social inferior(custa a escrever isto, mas é preciso em homenagem à clareza).Um dia, certo casal remediado adota a criança como filha. Esta vai-se criando ao lado de uma outra menina, mais ou menos da sua idade e que é, realmente, filha do casal. A filha adotiva começa a sentir aos poucos a desigualdade. O melhor pedaço de doce é para a outra. O vestidinho não pode ser igual ao dela. O da outra é melhor. Se o pai leva um brinquedo para a filha, pensa logo:"Ah! É verdade. Tenho que levar qualquer coisa também para a Luisa, coitada!". Compra, então, um objeto qualquer, sem saber se, realmente, ela desejou aquele objeto, e quando chega em casa com os dois brinquedos desiguais, um acima e outro abaixo do preço, diz a menina, adventícia naquele lar:
__ Ora, eu preferia que o senhor me comprasse também uma boneca, como fez com a Rosa.
E o homem reagindo insinceramente:
__ Eu não sabia, Luisa, que você também desejava uma boneca!
Mas, nessa altura, a mulher adverte:
__ Ora, Luisa, você não da importância a coisa alguma1 Tudo que nós lhe damos, você joga para um canto. So deseja o que é da Rosa.
LUISA da o tratamento de senhor ao dono da casa. Trata a mãe adotiva de senhora. Mas rosa chama os pais por você. Ora, como vêem, não pode haver nenhuma manifestação de ciúme da parte da criança preterida, senão, apenas, a reação emocional às atitudes injustas, de que ela é o reflexo inconstestável.
Vai-se criando na sua alma aquilo que Psicanálise se chama" sentimento de culpa". Por que a outra é tratada de maneira tão diversa? Que fez para não ser igual à outra? Sim, com certeza, se eles tratam a outra melhor é porque tem motivos para isso. E, então, pensa consigo mesma:
__ Eu preciso ser castigada, para não desejar mais aquilo que a Rosa possui...
Luisa está agora está quase moça. A outra continua a estudar. Luisa ficou no segunda série do fundamental. Mas, não perguntou nada à mãe por que não prosseguiu nos estudos com a Rosa, visto a mamãe pensar que ela tem inveja da outra. Entretanto, não tinha inveja alguma. Ao contrário. Gostava da outra menina como se fosse irmã consaguínea. Desejava, por isso, identificar-se com ela, até onde pudesse ir. No inconsciente da pobre criatura foi-se sedimentando, cada vez mais, o sentimento de culpabilidade. Tinha ímpetos de punir-se a si mesma. Agora, tendo a outra ingressado no ensino médio, era Luisa quem fazia todo o serviço da casa.
Quando menina, as injustiças recebidas não passavam de certas preferências, de preferências apenas infantis. Com o tempo, a situação mudou inteiramente. Passou de filha adotiva a serviçal, à categoria de empregada, tendo mesmo certa vez, quando estava acamada com gripe, escutando os pais conversarem:
__ Precisamos alguem para o serviço da casa. A luisa está doente... Poderiamos tomar pensão, mas a questão é a louça... Lavar pratos nem eu nem Rosa devemos fazer.
A enferma sentiu-se mais uma vez injustiçada.
Os tempos correram e de certa época em diante o casal começou a notar que alguns dos seus objetos começaram a desaparecer. Entretanto, coisa alguma de propriedade da Rosa desaparecia. Esta possuía, mesmo, algumas jóias, que continuavam a amanhecer no lugar em que eram colocadas na véspera, enquanto outros de menor ou nenhum valor eram subtraídos. Ninguém desconfiava, no entanto, de Luisa. Ahava-se impossível que ela assim procedesse, tendo sido educada num meio tão inadequado ao fato que se registrava. Ademais, não havia ladrões na família da filha adotiva. Os pais eram pobres, mas honestos. A coisa, entretanto, estava nesse pé, quando um dia colheram Luisa em flagante. Ela acabava de esconder entre a blusa do vestido um par de meia de sêda que a mãe não havia ainda estreado. Foi um rebuliço e, ao mesmo tempo, uma surpresa, que abateu profundamente a moral daquela casa. Os pais, primeiramente, se revoltaram. Quiseram tomar providências incríveis. Mas, depois, veio a reflexão e os ânimos exaltados deram lugar à infinita piedade de ambos pela criatuta que haviam criado.
Concluirá o leitor , certamente, que o furto praticado por aquela menina não era mais que o resultado de uma defesa totalmente insconsciente. Repararem que ela jamais furtara objetos de propriedade da irmã de criação, porque o seu inconsciente achava natural, naturalissimo mesmo, que os pais a presenteassem. O que ela julgava injusto era não merecer a mesma prefer~encia, não ser"igual à outra'. Furtando, ela não infrigia, de nenhum modo, as leis relativas à propriedade, como o faria um ladrão. Ao contrário. Aqui, ela apenas satisfazia um desejo do inconsciente, desejo esse irreprimível: tomar dos pais aquilo que, por direito, lhe faltava.(Ela furtava unicamente os pais).
É bom para maior clareza, repetir aqui estas belas e expressivas palavras de Ernesto Jones, uma das maiores autoridades sobre o assunto:" A criança não se comporta de maneira imoral, senão quando nos colocamos para julgá-la sob o nosso ponto de vista de homens feitos. Dai resulta simplesmente ter esse ato imoral prescindido em sua conduta(por ignorância) de toda a consideração moral. Eis ai um exemplo típico do espirito infantil e do espirito inconsciente em geral. As tendências em jogo são sempre inocentes por suas intenções, ainda que não o sejam de fato. Na realidade, não são nem inocentes nem culpáveis, considerados sob o ponto de vista infantil".
Os casos em que as crianças se setem injustiçadas são tão inúmeros, quanto complexa a maneira pela qual reagem. N escola, por exemplo, um determinado aluno pode sofrer várias injustiças, às vezes por gratuita antipatia dos professores, outras vezes por ponderáveis razão, como a falta de pagamento das mensalidades. Isto é muito comum. Dai se concluiu que o estudante, não compreendendo o verdadeiro motivo, pode mostrar-se reberde ou vadio, agressivo ou indiferente. O sentimento de injustiça é um dever de sociabilidade. Além disso, é preciso compreendermos, antes de mais nada, que uma criança não está apta para entender razões que não sejam de ordem essencialmente afetiva e, por isso mesmo desconhece por completo a realidade, as convenções da vida, ou ainda, os pr´´oprios motivos do nosso egoísmo ou das falta da nossa solidariedade. O que ela não endende de maneira alguma são os altos e baixos no nosso caráter, as razões do nosso cérebro, os caprichos da nossa vontade.